A tecnologia como aliada para facilitar o transplante de medula óssea
Frequentemente indicado no tratamento de doenças hematológicas, como leucemias, linfomas e outras condições que afetam o sangue ou o sistema imunológico, o transplante de medula óssea é um procedimento complexo e desafiador. Embora represente uma chance significativa de melhora – e até mesmo a cura do paciente -, essa jornada é marcada por etapas intensas que exigem cuidados rigorosos em todas as suas fases: pré-transplante, durante a internação e no período pós-operatório.
O acompanhamento após o transplante é tão delicado quanto sua fase inicial. Mesmo após a alta hospitalar, o paciente permanece em condição vulnerável devido à baixa imunidade, o que exige monitoramento constante e intervenções rápidas diante de qualquer sinal de complicação.
Por esse motivo, em muitos casos essa fase demanda uma internação prolongada – frequentemente superior a um mês. Esse é um dos principais desafios enfrentados pelo Hospital das Clínicas da FMUSP, uma vez que a crescente demanda por transplantes supera a atual capacidade de leitos disponíveis e gera filas de espera.
Desafios identificados
Desde 2021, o HCFMUSP tem investido no desenvolvimento de soluções e ferramentas digitais para enfrentar os principais desafios relacionados ao transplante de medula óssea (TMO). Entre eles, destacam-se não apenas a alta demanda por leitos, mas também a dificuldade em identificar intercorrências após a alta, ou seja, quando o paciente já está fora do ambiente clínico e do monitoramento contínuo.
Além disso, a falta de integração entre os sistemas de informação das instituições médicas representa um obstáculo significativo à continuidade do tratamento pós-operatório. A ausência de dados centralizados e acessíveis em tempo real compromete a comunicação entre equipes médicas, podendo gerar atrasos nas intervenções essenciais diante de complicações. Essa fragilidade se torna ainda mais crítica quando o paciente é transferido entre diferentes institutos, o que exige uma comunicação ainda mais ágil e precisa para garantir tanto a segurança quanto a eficácia do tratamento.
Oportunidades para transformar a jornada do paciente no TMO
No entanto, há uma grande oportunidade de utilizar a tecnologia para acompanhar a jornada do paciente antes, durante e após o transplante de medula óssea, por meio de recursos como teleatendimento e teleacompanhamento. Ao ampliar o cuidado fora do complexo hospitalar, é possível não apenas aumentar o número de pessoas assistidas, mas também otimizar o uso de leitos – seja reduzindo a necessidade de internações ou até mesmo encurtando o tempo de permanência do paciente no hospital.
“Se conseguirmos proporcionar um cuidado mais eficiente, podemos aumentar significativamente o número de pacientes que recebem terapia sem a necessidade de internamento, contribuindo para a otimização dos recursos hospitalares e melhorando o fluxo de atendimento”, afirma o Dr. Giancarlo Fatobene, Médico do Núcleo de Pesquisa de Hematologia do Hospital das Clínicas.
TMO: Transplante de medula óssea
Com o objetivo de transformar digitalmente a jornada do paciente, o Hospital das Clínicas da FMUSP desenvolveu o projeto TMO – Transplante de Medula Óssea. A iniciativa é conduzida pelo seu Núcleo de Inovação Tecnológica (InovaHC) e contou com o desenvolvimento da plataforma digital idealizada em parceria pelas empresas Fit e Neti, com financiamento da Cisco. O projeto propõe soluções inovadoras estruturadas em quatro estratégias principais:
- Encaminhamento automatizado do paciente entre instituições hospitalares;
- Plataforma para fazer o acompanhamento digital da jornada do paciente;
- Telemonitoramento disponível 24 horas por meio de uso de dispositivos Point of Care;
- Teleassistência do paciente, com atendimento via teleconsulta e chat disponíveis em tempo integral.
O dispositivo Point of Care da Lifemed permite que o paciente monitore seus sinais vitais de forma autônoma e fora do ambiente hospitalar, utilizando apenas o biodispositivo integrado a um aplicativo de celular. Essa solução amplia a autonomia do usuário e viabiliza o acompanhamento remoto em tempo real, contribuindo para a prevenção de complicações pós-operatórias.
“Hoje, o hospital depende que o paciente entre em contato ativamente. Com o uso do dispositivo, o profissional poderá acompanhar os dados em tempo real na central de monitoramento e orientar o paciente de forma proativa, sempre que necessário”, explica Liliane Pinheiro, Enfermeira Chefe da Unidade de TMO.
Resultados e perspectivas de futuro para o projeto
Entre setembro e dezembro de 2024, o Hospital das Clínicas da FMUSP conduziu a etapa de validação prática da solução, com a aplicação do projeto em pacientes internados no Instituto Central do HCFMUSP. O objetivo foi avaliar a confiabilidade dos dispositivos utilizados e a usabilidade da plataforma digital. Ao todo, 20 pacientes foram monitorados durante o transplante, sendo 14 submetidos ao transplante autólogo e 6 ao alogênico. Durante 13 semanas de testes, foram realizadas 268 aferições utilizando o dispositivo Point of Care.
A capacidade de transformar a jornada digital do usuário e de aumentar o número de pacientes que recebem o tratamento é tão significativo, que a visão de futuro deste projeto é viabilizar o modelo de transplante ambulatorial, possibilitando que o procedimento anteriormente restrito a unidades como UTI’s e centros cirúrgicos, sejam realizados em ambiente extra-hospitalar. Com o apoio da tecnologia, pacientes poderão receber alta precoce – desde que monitorados por meio de dispositivos Point of Care e acompanhados em tempo real por uma central especializada.
Além disso, a iniciativa busca consolidar um modelo integrado da jornada digital do paciente, abrangendo desde o pré-transplante até o acompanhamento no pós-operatório, por meio da interoperabilidade de dados. Essa integração permitirá uma visão contínua e abrangente do cuidado, facilitando a troca de informações entre equipes e instituições de saúde, apoiando as equipes médicas em tomadas de decisões mais ágeis e precisas em todas as etapas do tratamento.